Ao tio César

Ao tio César:
Nunca tivemos oportunidade de nos conhecer, mas foi alguém que me deixou uma grande marca, sobretudo no meu percurso da escrita.
Foi alguém do qual a história serve como um exemplo, pois mesmo sem se ter sentado numa cadeira de uma escola para aprender como muitos
outros, deixou-nos uma obra poética impressionante. Aprendeu com os mais velhos aquilo que sabia, até ele próprio ter idade para ensinar aos mais novos os conhecimentos que adquiriu com a experiência da vida.
O seu livro foi a minha grande inspiração para um trabalho da faculdade, um trabalho para o qual eu não encontrava rumo até ler os seus poemas.
É uma obra poética sobre a vida, infância, adolescência, vida adulta e a velhice.
O tio César partiu, o tio César e eu não nos conhecíamos, mas o tio César e eu partilhamos o amor à escrita e partilhámos também a nossa escrita, uma troca, tal como aconteceu no conto para o trabalho da universidade.
Agora o Tio César pode finalmente reencontrar o seu amor que tão precocemente lhe foi retirado, e viver o romance que não pode viver em vida.
'Noite escura
I
Termina a noite,
Rompe a aurora,
Começa o dia.
Põe-se o sol,
Regressa a noite
Escura e fria.
II
A noite é escura,
Serve de capa
Aos maus feitores.
Na escuridão,
Dormindo no chão
Os pobres pastores.
III
Na noite bem escura
Se nascesse o sol,
Muita coisa se via
Que anda escondida,
Que nós nunca vimos,
Que lindo seria.
IV
Se o sol se põe
Nasce o luar
Que grande alegria.
Se a lua é cheia
Serve de candeia
Até que nasça o dia.
V
Quando a lua é nova
Volta a noite escura
Com a maldição.
É o esconderijo
Do inconsciente
Feroz e vilão.
VI
Triste de quem vive
Sem a luz do dia
Só na noite escura.
São os ceguinhos
Sem sol nem lua.
Que triste amargura.
VII
Há quem veja bem
Numa noite escura.
Quem anda à procura
Não ache ninguém.
Se houvesse lua
Via mais além.
VIII
As noites, nem todas, são
Escuras e horrorosas-
Há quem passe lindas noites,
Escuras mas carinhosas.'
César Augusto Matos, "A voz do Alentejo", 2005.